No Brasil, principalmente os entusiastas das artes, tem-se o costume de chamar "monstro sagrado" aos grandes mestres das diversas artes. Fernando Pessoa é um deles. Um monstro sagrado. Tudo o que eu leio dele me deixa boquiaberta, pois é simples, é claro, é objetivo, é natural. Ele tem um texto que flui, as idéias fluem com uma naturalidade que espanta por serem tão belas na forma e tão sutis...
Feita a minha obrigação de ovacionar o autor, reproduzo abaixo um texto (fantástico?) dele, parte de "Mar Portuguez".
"IV. O MOSTRENGO
mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
A roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tetos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»
«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!» "
Ah, sim, com certeza é pura Literatura Fantástica. E das boas, meu amigo...
18.10.06
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